domingo, 27 de fevereiro de 2011

Revoltas árabes


Gaddafi pode ser o próximo a cair


Muammar Gaddafi é considerado o pior ditador no mundo árabe. Ele está há 41 anos no poder – é o mais longevo entre os governantes – e não hesitou em usar as Forças Armadas para reprimir protestos, que são proibidos na Líbia.


Agora, cada vez mais isolado, ele pode ser o próximo líder mulçumano a deixar o cargo por conta das manifestações pró-democracia que se espalharam pela África do Norte e o Oriente Médio. O movimento já derrubou dois presidentes, daTunísia e do Egito, em menos de dois meses.

A queda de ditadores é algo inédito na história da região. Os países árabes são governados por monarquias ou ditaduras. O aumento no preço dos alimentos, o desemprego e a insatisfação dos jovens deram início às revoltas por abertura política. Os levantes chegaram a BahreinMarrocosIêmenJordâniaIrã eArábia Saudita.

Na Líbia, o governo reagiu com violência. Quase 300 pessoas morreram em conflitos com forças de segurança desde o dia 16 de fevereiro. O ditador líbio chegou a usar aviões e tanques contra as multidões.

Os protestos começaram após a prisão de um advogado ligado à causa dos Direitos Humanos. O maior foco dos distúrbios é Benghazi, segunda maior cidade, localizada na região leste.

A cada dia a situação fica mais difícil para Gaddafi. Dentro do país, os revoltosos assumiram o controle de cidades no leste. Na região nordeste, militares aderiram à "revolução do povo". No exterior, a pressão diplomática é a cada vez maior para que ele deixe o poder.

Em um pronunciamento raivoso na TV, em 21 de fevereiro, o líder líbio, de 68 anos, desafiou os revoltosos e disse que iria “morrer como um mártir”. Antes, seu filho Saif al-Islam advertiu para o risco de guerra civil.

No dia 22 de fevereiro, o Conselho de Segurança da ONU condenou o uso da violência contra manifestantes na Líbia e pediu a responsabilização dos culpados. A decisão deve ser seguida se novos embargos contra o regime.
 

Petróleo

A Líbia é um país rico em petróleo. É o quarto maior produtor da África, depois daNigériaArgélia e Angola, com reservas estimadas em 42 bilhões de barris (para efeito de comparação, as reservas brasileiras são de 14 bilhões de barris). A maior parte da produção é exportada para a Europa.

O país, de 6,4 milhões de habitantes (equivalente à população do Rio de Janeiro), tem ainda o maior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) da África. A riqueza, porém, não é bem distribuída entre a população. A despeito das melhorias em relação ao período anterior à Gaddafi, um terço vive na pobreza e a taxa de desemprego é de cerca de 30%. Esse é um dos principais motivos dos protestos.

A Líbia foi província romana, domínio do Império Otomano e colônia italiana. Após a Segunda Guerra Mundial, o território foi repartido entre a França e oReino Unido. Em 1º de janeiro de 1952, a ONU aprovou a independência, reunindo os territórios no Reino Unido da Líbia. O emir Sayyid Idris al-Sanusi foi coroado rei Idris I, primeiro e único monarca a governar a nação.

Nos anos seguintes, Estados Unidos e Reino Unido instalaram bases militares em solo libanês. Mas a descoberta de petróleo levou o governo a pedir a retirada das tropas estrangeiras. O minério também mudou o perfil econômico e social do país, que até então era um dos mais pobres do continente africano.

Um golpe de Estado depôs a monarquia em 1º de setembro de 1969, sem derramamento de sangue. Gaddafi, com apenas 27 anos, assumiu o comando. Até hoje, a Líbia não tem Constituição ou partidos políticos, e a oposição é proibida.

Nas décadas seguintes, o ditador se tornou inimigo do Ocidente, comparável ao iraquiano Saddam Hussein. Nos últimos anos, entretanto, conseguiu se reaproximar das potências ocidentais.
 

Terrorismo

Gaddafi ficou conhecido pelo jeito extravagante de se vestir, os discursos incoerentes e a habilidade diplomática. Nos anos 1980, foi monitorado pelos serviços de inteligência por ligações com grupos terroristas.

O governo da Líbia foi responsabilizado por atentados na Europa e no Oriente Médio. O mais conhecido foi o ataque à bomba no voo da Pan Am sobre Lockerbie, na Escócia, que matou 270 pessoas em 1988.

Dois anos antes, em 1986, o ex-presidente americano Ronald Reagan (que chamou Gaddafi de "cachorro louco”) autorizou um ataque aéreo à capital Trípoli. A investida ocorreu em represália a um atentado contra uma discoteca em Berlim Ocidental, que matou dois militares americanos. Entre os mortos no ataque à Trípoli estava a filha adotiva de Gaddafi.

Depois do 11 de Setembro, Gaddafi passou a colaborar com os americanos na guerra contra o terrorismo. Em 2003, ele assumiu a autoria do atentado de Lockerbie e pagou uma indenização bilionária às famílias das vítimas.

A estratégia visava suspender as sanções impostas pela ONU. Deu certo. Nos últimos anos, Trípoli reatou legações diplomáticas e comerciais com a Europa e dos Estados Unidos, atraindo investidores estrangeiros. A crise atual mudou o panorama. Os governos ocidentais agora pedem a saída do ditador e fazem a retirada em massa de estrangeiros.


José Renato Salatiel*
Especial para a Página 3 Pedagogia & Comunicação

sábado, 5 de fevereiro de 2011

Apartheid - Origem histórica da segregação racial na África do Sul


Reprodução
Para uso de pessoas brancas, diz a placa da época do apartheid
O termo apartheid significa "separação" ou "identidade separada". Serviu para designar o regime político da África do Sulque, durante décadas, impôs a dominação da minoria branca (ou aristocracia branca) sobre grupos pertencentes a outras etnias, compostos em sua maioria por negros.

apartheid não deve ser interpretado como simples "racismo", pois ele foi um sistema constitucional de segregação racial que abrangeu as esferas social, econômica e política da nação sul-africana estabelecendo critérios para diferenciar os grupos.

A origem histórica do apartheid é bem antiga e remonta ao período da colonização da África do Sul. Os primeiros colonizadores bôeres (também denominados de afrikaner) compunham-se de grupos sociais europeus que vieram da Holanda, França e Alemanha e se estabeleceram no país nos séculos 17 e 18.

Ideologia nacionalista

Esses colonizadores dizimaram as populações autóctones (grupos tribais indígenas) e tomaram suas terras. Os líderes afrikaners manipularam e converteram um preceito religioso cristão, que a princípio estabelecia a segregação como uma forma de defender e preservar as populações tribais da influência dos brancos, em uma ideologia nacionalista que pregava a desigualdade e separação racial.

Os afrikaners se consideravam a verdadeira e autêntica nação (ou volk, que em alemão significa povo). A cor e as características raciais determinaram o domínio da população branca sobre os demais grupos sociais e a imposição de uma estrutura de classe baseada no trabalho escravo.

Política racial

Nas regiões dominadas por eles estabeleceu-se uma política racial que diferenciou os europeus (população branca) dos africanos (que incluía todos os nativos não-brancos, também conhecidos por bantus). Até mesmo aqueles grupos sociais compostos por imigrantes asiáticos, em particular indianos, sofreram com a política de discriminação racial. 

Seria engano supor que a expansão do domínio dos afrikaners sobre a população não-branca da África do Sul foi um processo livre de conflitos. Pelo contrário, houve muitas guerras com as populações tribais que ofereceram resistência aos brancos, entre elas as tribos xhosa, zulu e shoto.

No início do século 20, a África do Sul atravessou um intenso processo de modernização que intensificou os conflitos entre brancos e não-brancos. Não obstante, a minoria branca soube explorar os conflitos intertribais que afloravam entre os diferentes grupos étnicos e isso de certo modo facilitou a avanço e domínio dos afrikaners

Renato Cancian*

Especial para a Página 3 Pedagogia & Comunicação

Tensão no Egito - Milhares vão às ruas contra ditadura

Tensão no Egito

Milhares vão às ruas contra ditadura


A onda de protestos pela democracia que se espalhou pelo mundo árabe assumiu proporções dramáticas no Egito. Manifestantes ocupam as ruas do Cairo há uma semana para pedir a renúncia do presidente Hosni Mubarak, há três décadas no poder.


A maior mobilização ocorreu na última terça-feira (1º de fevereiro). Quase um milhão de pessoas lotaram a Praça Tahrir, no centro da capital. Diferente dos primeiros dias, não houve confrontos com a polícia.

Nem mesmo o bloqueio da internet e o toque de recolher impediram os egípcios de promoverem o ato. Antes disso, Mubarak tentou, sem sucesso, contornar a situação. Ele destituiu todo o alto escalão e nomeou um vice-presidente, fatos inéditos em seu governo.

Após o megaprotesto, Mubarak anunciou na TV estatal que não concorreria às eleições presidenciais de setembro, mas que permaneceria no cargo até o fim do mandato. Ele tinha planos de passar o poder ao filho, numa sucessão dinástica comum em países árabes.

O recuo do presidente teve o peso da influência dos Estados Unidos, que sinalizaram para uma retirada do apoio ao regime. A oposição, porém, pretende continuar a pressão até a renúncia do ditador egípcio.

O Egito é o país árabe mais populoso, com 80 milhões de habitantes. O território abriga uma antiga civilização que legou monumentos famosos como as pirâmides de Gizé e a Grande Esfinge. O país é também um importante aliado do Ocidente no Oriente Médio, uma das regiões mais conflituosas do planeta e rica em petróleo.

Os recentes protestos começaram com a "revolução do jasmim", que derrubou o presidente Zine El Abidine Ben Ali, na Tunísia, em 14 de janeiro deste ano. Ben Ali estava há 23 anos na Presidência. Foi a primeira vez na história que um líder árabe foi deposto por um movimento popular.

Na sequência, as manifestações pró-democracia se disseminaram por outros países da região, como a Argélia e o Iêmen. Nenhum delas, contudo, teve tanta expressão quanto a que acontece atualmente no Egito.

As revoltas nos países árabes lembram os levantes que provocaram a queda dos regimes comunistas na Europa, entre o final dos anos 1980 e o começo dos anos 1990. Entretanto, em países como o Egito, a ausência de tradição democrática torna a situação mais perigosa.
 

Radicais islâmicos

Sociedades árabes conhecem apenas duas formas de governo: monarquias absolutistas ou ditaduras, sejam elas militares ou religiosas. Assim, nessas nações não existem partidos que possam disputar eleições após a queda de um tirano.

O mais comum, nestes casos, é que o Estado secular seja substituído por um sistema fundamentalista. Foi o que aconteceu em 2007 na faixa de Gaza. Na ocasião, o Hamas, grupo fundamentalista islâmico palestino, conquistou o poder com a derrota do Fatah. Desde então, vive em conflito com Israel.

No Egito, a crise beneficia a Irmandade Mulçumana, que tem expressão entre as camadas mais populares da população. Acontece que o país e uma peça-chave no equilíbrio de forças no Oriente Médio. Ele é aliado tanto dos Estados Unidos quanto de Israel contra governos como o do iraniano Mahmoud Ahmadinejad.

Egito e Israel já travaram guerras. Os dois países assinaram um acordo de paz em 1979. Já o governo norte-americano fornece quase US$ 2 bilhões por ano de ajuda econômica e militar ao Cairo. Somente o Estado de Israel recebe maior incentivo da Casa Branca.

Internamente, Mubarak usou a justificativa de combater os radicais islâmicos para se manter no poder e restringir liberdades. Ele era vice-presente em 1981 quando o presidente Anwar Sadat foi morto por fundamentalistas durante uma parada militar na capital.

Outro fator que garantiu a permanência de ditaduras por décadas na região foi a estabilidade econômica. Isso mudou com a crise financeira mundial de 2008 e a recente alta dos preços dos alimentos. A taxa de desemprego no Egito é de 9% (no Brasil é de 6,7%) e um egípcio em cada dois vive com apenas dois dólares por dia.

Além disso, a população mais jovem - um em cada três egípcios tem menos de 15 anos - e mais bem educada não tolera mais a repressão dos governos e nem teme a tomada de poder por grupos religiosos. São eles que estão dando novos rumos ao mundo árabe.


José Renato Salatiel*
Especial para a Página 3 Pedagogia & Comunicação