sábado, 31 de julho de 2010

Da invasão do Kuwait à ocupação americana do Iraque

Há 20 anos começou a Guerra do Golfo, um dos maiores conflitos do Oriente Médio. Na madrugada do dia 2 de agosto de 1990, tropas iraquianas, sob o comando de Saddam Hussein, invadiram o vizinho Kuwait, rico em petróleo. A reação da comunidade internacional foi imediata, com sanções econômicas e uma ofensiva militar - liderada pelos Estados Unidos - que arrasou o Iraque. A guerra foi sucedida pela invasão americana do Iraque em 2003, por conta dos atentados do 11 de Setembro. A ocupação militar, que deve terminar em 2011, mudou o panorama geopolítico da região.
Causas da guerra
Depois de quase quatro séculos sob domínio do Império Otomano, o Iraque se tornou colônia do Reino Unido ao final da Primeira Guerra Mundial. O regime monárquico instaurado durou de 1921 a 1958, quando a família real foi assassinada em decorrência de um golpe de Estado. Em julho de 1968, o Partido Socialista Árabe Baath, do líder sunita Saddam Hussein, chegou ao poder. Ele foi eleito presidente em 1979, cargo que ocuparia por 24 anos. Nesse período, o Iraque se envolveu em três guerras no Golfo Pérsico. A primeira Guerra do Golfo foi travada contra o Irã (1980-1988) depois que a Revolução Islâmica , liderada pelo aiatolá Ruhollah Khomeini, depôs a monarquia iraniana. Durante o conflito, Saddam teve apoio militar dos Estados Unidos, que temia a influência do fundamentalismo islâmico sobre o Oriente Médio. O governo americano, na época, ignorou o uso de armas químicas e biológicas pelas tropas iraquianas, incluindo o massacre de curdos. Mais tarde, usaria isso como justificativa para invadir o país. Ao final da guerra, tanto o Irã quanto o Iraque estavam arruinados. A situação econômica do Iraque foi ainda agravada pela queda do preço do petróleo nos anos 1980 - o país é o 10º no ranking de produtores e 11º no de exportadores de petróleo no mundo. Além disso, estava endividado, ao contrário do vizinho Kuwait (13º produtor e 6º exportador mundial do minério), que explorava as jazidas existentes nas proximidades da fronteira iraquiana. Nesse contexto, a invasão do Kuwait teve razões econômicas e territoriais. O governo do Iraque acusava o vizinho de provocar a queda do preço do petróleo ao vender mais do que a cota permitida pela Organização dos Países Produtores e Exportadores de Petróleo (OPEP). Saddam também queria que o Kuwait perdoasse uma dívida contraída durante a Guerra Irã-Iraque e cobrava uma indenização de US$ 2,4 bilhões por suposta exploração ilegal em campos petrolíferos iraquianos. Outro motivo foi a divisão da fronteira entre os dois países, assunto de controvérsias desde o fim do Império Otomano, quando o Reino Unido demarcou os territórios. O governo iraquiano alegava que, antes da colonização inglesa, o Kuwait pertencia à província de Basra, localizada ao sul do país.
Invasão
Ao invadir o Kuwait, em 2 de agosto de 1990, dando início à segunda Guerra do Golfo, Saddam subestimou a reação da comunidade internacional e do governo americano, seu antigo aliado na guerra contra o Irã. Para Saddam, a guerra era uma forma de sanar as finanças do país e adquirir poder no mundo árabe. Para os Estados Unidos, era a oportunidade de ocupar militarmente a região e garantir o domínio sobre parte do petróleo árabe. O Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) condenou a invasão e aprovou uma resolução que impunha sanções econômicas ao Iraque. Ao mesmo tempo, a Liga Árabe iniciou as negociações para tentar resolver o conflito por meio da diplomacia, sem alcançar sucesso. Em 28 de agosto, o governo iraquiano anexou o Kuwait como sua 19ª província. No dia seguinte, a ONU deu um ultimato: até o dia 15 de janeiro de 1991 as tropas deveriam se retirar; caso isso não ocorresse, haveria ofensiva militar. Para cumprir esse ultimato, formou-se uma coalizão de 34 países liderados pelos Estados Unidos: entre eles, Reino Unido, França, Arábia Saudita, Egito e Síria. Um contingente de 750 mil soldados foi mobilizado contra 200 mil soldados iraquianos. No dia 17 de janeiro de 1991 começou o ataque aéreo contra Bagdá, capital iraquiana. Entre os dias 25 e 28 de fevereiro foi desencadeada a "Operação Tempestade no Deserto", com forças da ONU comandadas pelo general americano Norman Schwarzkopf. Os bombardeios eram acompanhados pela TV em todo o mundo. Na chamada "guerra cirúrgica", mísseis "inteligentes" atingiam alvos militares e a infraestrutura de Bagdá. Ao término da operação, os soldados iraquianos foram expulsos do Kuwait e Bagdá aprovou o cessar-fogo no dia 3 de março.
Consequências
A família real do Kuwait, que havia deixado o país antes da invasão, retornou após o fim do conflito. Cerca de mil civis morreram na guerra e outros 300 mil deixaram o país. O Exército iraquiano também danificou 737 poços de petróleo, provocando danos ambientais em toda região do Golfo Pérsico. O Kuwait levou mais de dois anos para reparar os danos causados à sua indústria petrolífera. No Iraque, a guerra deixou 3.664 civis mortos - e o país ficou em ruínas. Para piorar, durante os anos 1990 foram impostas sanções comerciais e financeiras, a fim de que o governo desmantelasse sua indústria bélica e pagasse indenizações de guerra, o que impediu a reconstrução do país. Em 20 de março de 2003, os Estados Unidos invadiram o Iraque com apoio do Reino Unido. O governo de George W. Bush acusou Saddam de ligação com os atentados de 11 de Setembro e de possuir armas de destruição em massa, fatos que nunca foram comprovados. Segundo especialistas, o real motivo da guerra seria garantir o controle das reservas de petróleo. O ditador iraquiano foi deposto, capturado ao final de 2003 e condenado à morte em dezembro de 2006. Para os Estados Unidos, contudo, foi apenas o começo de uma das guerras mais longas, caras e mortíferas de sua história, só perdendo para o conflito do Vietnã A guerra do Iraque já custou US$ 736 bilhões aos cofres americanos (contra US$ 286 bilhões gastos no Afeganistão) e deixou um saldo de 4.731 soldados mortos, sendo 4.413 americanos (contra um total de 1.968 mortos, sendo 1.207 americanos, no Afeganistão). A morte de americanos em atentados terroristas em Bagdá e os escândalos decorrentes de abusos cometidos contra presos iraquianos na prisão de Abu Ghraib tiveram repercussão interna e mancharam a imagem da Casa Branca. Por isso, com a eleição de Barack Obama para a presidência da República em 2009, a estratégia foi mudada. Ele prometeu retirar a maior parte dos combatentes até 31 de agosto de 2010. Hoje, existem aproximadamente 85 mil soldados americanos no Iraque. Metade do contingente deve permanecer e ser removido gradualmente até 31 de dezembro de 2011. Depois disso, o Iraque conquistará de novo sua independência.

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Internet não criou espaço para debate

A promessa política da internet não se realizou, afirma Vladimir Safatle, professor de filosofia da USP. Safatle é autor de estudos sobre uso da internet nas eleições de 2006 e 2008, feitos em parceria com Marcelo Coutinho, professor da FGV e especialista em internet e política. Desde que surgiu, a rede mundial de computadores trouxe a esperança de que revitalizaria o debate político público e serviria como espaço de discussão de ideias. Segundo Safatle, a internet não se configurou como espaço de diálogo, como muitos esperavam, mas de radicalismos exacerbados. "A internet está mais para grande espaço fragmentado de posições, onde cada território está ocupado por opiniões muito bem definidas e que não entram em contato com ideias diferentes. Manifestações dissonantes são reprimidas ou ignoradas."
ESTUDO
Em sua pesquisa, Safatle e Coutinho monitoraram blogs e comunidades no Orkut e concluíram que a internet é usada para reforçar opiniões já sedimentadas, fornecer material de campanha a militantes e influenciar veículos de comunicação --e não para esclarecer o eleitorado. "É como se a militância tradicional, off-line, tivesse se deslocado para a internet", diz Safatle. O estudo sobre as eleições de 2008, publicado na "Revista de Sociologia e Política" (outubro de 2009), considerou a disputa pela Prefeitura de São Paulo. Os pesquisadores acompanharam as comunidades no Orkut com mais de 300 integrantes voltadas para os três candidatos mais votados: Gilberto Kassab, Marta Suplicy e Geraldo Alckmin. Descobriram que as 25 comunidades acompanhadas traziam links para 78 outras comunidades político-eleitorais, das quais 11 eram neutras e nenhuma tinha visão diferente sobre o candidato. Outro dado que eles citam diz respeito aos 1.214 tópicos de discussão: mais de 96% estavam em linha com as comunidades acompanhadas.
BAIXO INTERESSE
As conclusões da pesquisa de 2006 vão na mesma linha, embora a disputa fosse pela Presidência, e os números, bem maiores. Publicado no livro "A Mídia nas Eleições de 2006" (Perseu Abramo, 2007), o estudo também chama a atenção para o baixo interesse por debates políticos. Dados recentes do Comitê Gestor da Internet no Brasil, mostram que 39% da população tem acesso à rede. Nos EUA, durante as eleições presidenciais de 2008, o acesso à internet estava em torno de 70% dos eleitores. Segundo Coutinho, esses dados ajudam a explicar por que a internet não teve papel importante nas eleições de 2006 e de 2008 nem deve ter na disputa deste ano.

Cuba liberta presos políticos

Pressionada por autoridades internacionais, a ditadura cubana decidiu libertar 52 presos políticos no período entre julho e outubro de 2010. O primeiro grupo, composto por 11 dissidentes e seus familiares, chegou à Espanha entre os dias 12 e 15 de julho, onde os exilados foram recebidos como imigrantes comuns.

De acordo com dados da Comissão Cubana de Direitos Humanos, órgão independente que não é reconhecido pelo governo comandado pelo ditador Raúl Castro, a ilha possui 167 presos políticos, o menor número desde a Revolução Cubana, em 1959. Portanto, se todos os 52 forem soltos, restarão ainda 115 pessoas encarceradas por crimes de consciência.

Desde 1998, quando 101 presos foram postos em liberdade, por ocasião da visita do papa João Paulo 2º, não se libertava em Cuba um grupo tão numeroso.

O anúncio da libertação foi feito em 7 de julho, pelo Arcebispado de Havana. As negociações com o governo foram intermediadas pelo cardeal Jaime Ortega e pelo ministro espanhol de Assuntos Exteriores, Miguel Ángel Moratinos.

Todos os presos beneficiados com a medida fazem parte do "Grupo dos 75", constituído por 75 dissidentes presos em março de 2003 durante a "Primavera Negra", como ficou conhecido um dos muitos períodos de severa repressão. Eles foram processados por atividades subversivas e condenados a penas que variam de 14 a 27 anos de prisão. Alguns deles já haviam sido libertados por apresentarem graves problemas de saúde.

Greve de fome

A pressão internacional começou após a morte de Orlando Zapata Tamayo, ocorrida no dia 23 de fevereiro de 2010, após 85 dias em greve de fome. Zapata tinha 42 anos e era um dos mais importantes dissidentes políticos do "Grupo dos 75". Ele jejuava em protesto contra as condições desumanas dos cárceres de Havana.

No dia seguinte à morte de Zapata, outro detento, Guillermo Fariñas, iniciou greve de fome em homenagem ao companheiro e para pedir a libertação de outros 26 presos políticos que estavam doentes. À época, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em visita oficial a Cuba, foi criticado por não se solidarizar com os ativistas e por compará-los a presos comuns.

Fariñas interrompeu o jejum de alimentos sólidos e líquidos, mantido por 134 dias, depois que o presidente Raúl Castro se comprometeu a soltar os 52 presos. Mesmo assim, de acordo com os médicos que o acompanham, ele corre risco de morrer em decorrência de complicações associadas ao período de abstinência. "O primeiro gole de água que deu depois de tanto tempo provocou em seu ressecado esôfago a sensação de uma língua de fogo que o queimava por dentro", disse Yoani Sánchez em seu blog, o Generatión Y (ver livro indicado abaixo).

Adversário histórico

O governo dos Estados Unidos, histórico opositor do regime castrista, aprovou a operação que beneficia cubanos reconhecidos como presos de consciência pela Anistia Internacional. Segundo Philip Crowley, porta-voz do Departamento de Estado americano, foi um "acontecimento positivo" e "um avanço para um respeito maior aos direitos humanos e às liberdades fundamentais em Cuba".

A imprensa internacional, porém, foi cética quando a uma eventual abertura do regime comunista, em vigor desde que Fidel Castro, Che Guevara e o Exército Rebelde tomaram a capital em 1º de janeiro de 1959, depondo o ditador Fulgencio Batista.

Em abril de 1961, os Estados Unidos fizeram uma tentativa frustrada de invasão na Baía dos Porcos, em Cuba, aumentando a tensão com a antiga União Soviética. O episódio foi um dos mais emblemáticos da Guerra Fria (1945-1989). Nas décadas seguintes, Washington impôs um embargo comercial à ilha, cujo regime comunista resistiu até mesmo ao esfacelamento da União Soviética e à abertura econômica na China.

Fidel deixou a presidência em 2006, passando o cargo a seu irmão, Raúl Castro. Os diálogos visando a suspensão do bloqueio foram retomados com a chegada de Barack Obama à Casa Branca. Os americanos exigem, como contrapartida ao fim do embargo, avanços na área de direitos humanos.

Próximos da lista

Os 11 presos que chegaram à Espanha fazem parte de uma primeira leva de 20 dissidentes que foram autorizados a deixar o país. Outros seis cubanos consultados pela Igreja Católica decidiram permanecer em Cuba após serem soltos. O governo cubano, contudo, não ofereceu garantias de que eles não sofrerão represálias.

Segundo o Ministério das Relações Exteriores da Espanha, os exilados não receberam status de asilados políticos para que possam trabalhar no país. Outros ativistas, que continuam em Cuba, acreditam que essas medidas sejam os primeiros passos para reformas políticas.

domingo, 11 de julho de 2010

PARA REFLETIR

Maior genocídio do pós-guerra completa 15 anos

Há 15 anos aconteceu na cidade de Srebrenica, na antiga Iugoslávia, o maior massacre cometido na Europa desde o fim da Segunda Guerra Mundial. Em apenas uma semana, entre os dias 11 e 15 de julho de 1995, 8.373 bósnios muçulmanos foram mortos por tropas sérvias.
Os crimes foram cometidos durante a Guerra da Bósnia (1992-1995), iniciada após a queda do regime comunista na antiga Iugoslávia. Até hoje os corpos das vítimas, exumados de valas comuns, são identificados por meio de análises de DNA. O general Ratko Mladic, um dos responsáveis pelo massacre, continua foragido.
A região dos Bálcãs, onde ocorreram os conflitos, é marcada por histórias de invasões estrangeiras e disputas de cunho étnico, religioso e nacionalista. Nesse contexto, desavenças políticas, combinadas com a ineficiência da comunidade internacional na mediação da guerra, compuseram o palco para o genocídio.
A Guerra da Bósnia teve ampla cobertura da imprensa internacional e mostrou cenas semelhantes ao holocausto dos judeus na Alemanha nazista: cidades sitiadas, campos de concentração, mortes em massa e posteriores julgamentos dos criminosos no Tribunal Internacional de Haia.

Antecedentes

Durante 500 anos, os Bálcãs foram dominados pelo Império Turco-Otomano. Com a assinatura do Tratado de Berlim de 1878, Romênia, Sérvia e Montenegro se tornaram independentes e foi criado o principado da Bulgária.
No começo do século 20, eclodiram lutas por independência. Em 1914, Franz Ferdinand, herdeiro do Império Austro-Húngaro, foi assassinado junto com sua mulher por um extremista sérvio-bósnio em Sarajevo. A Áustria declarou guerra à Sérvia, dando início à Primeira Guerra Mundial (1914-1918).
Após a guerra, surgiram os Reinos dos Sérvios, Croatas e Eslovenos (incluindo a Bósnia-Herzegóvina), unificados sob o nome de Iugoslávia (que significa "terra dos eslavos do sul") pelo príncipe regente Alexandre Karadjordjevic.
Durante a Segunda Guerra Mundial, os nazistas invadiram a Bósnia, fragmentando novamente o território. Ao final da guerra, com a derrota do Eixo, a Iugoslávia, sob o governo comunista de Josip Broz Tito, se torna uma federação que reúne seis repúblicas - Croácia, Eslovênia, Macedônia, Montenegro, Sérvia e Bósnia-Herzegóvina.
A queda do Muro de Berlim, em 1989, desencadeia o colapso dos Estados comunistas no Leste Europeu, entre eles a Iugoslávia. Do mesmo modo como aconteceu em outros países, a ditadura que mantinha a aliança multinacional não foi sucedida por uma democracia ou pela formação de um Estado civil. Pelo contrário, fez reacender antigas dissensões entre identidades regionais, étnicas e religiosas, em grupos que se mobilizaram politicamente para defender seus territórios.
Apesar de viverem em comunidades diferentes, bósnios muçulmanos, sérvios ortodoxos e croatas católicos compartilhavam não somente origens históricas e geográficas, mas também um modo de vida. No entanto, com a desestabilização política do país, grupos nacionalistas catalisaram as diferenças existentes, utilizando-as para promover os massacres que se seguiram.
Em 1991, a população da Bósnia era composta por 43,7% de muçulmanos, 31,4% de sérvios e 17,3% de croatas. Em Srebrenica, a população era de maioria muçulmana (72,9%), contra uma minoria sérvia (25,2%) e poucos croatas (0,1%). No mesmo ano, Eslovênia e Croácia declararam independência, seguidas pela Bósnia. Os sérvios, porém, não aceitaram o Estado da Bósnia e, liderados por Radovan Karadzic, ocuparam 70% do país e deram início a uma campanha de "limpeza étnica" para formar a República Sérvia.

Genocídio

Para fugir da guerra, milhares de bósnios se refugiaram em cidades como Srebrenica, que se tornou um enclave muçulmano. Na tentativa de prevenir crimes de genocídio, o Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) aprovou, em 16 de abril de 1993, a Resolução 819, por meio da qual a cidade de Srebrenica (e seus arredores) foi considerada Área de Segurança, onde não poderiam ocorrer mais ataques.
A segurança da população ficou a cargo de soldados holandeses da Unprofor (Forças de Proteção das Nações Unidas) e os bósnios foram desarmados. Os holandeses, contudo, não puderam conter a ofensiva sérvia.
Assim, quase dois anos depois, no começo de julho de 1995, Srebrenica foi recapturada pelos sérvios depois de renderem a base da ONU. Os bósnios pediram a devolução de suas armas para combater os sérvios e não foram atendidos. O comando holandês, por sua vez, solicitou reforço aéreo à ONU, porém os soldados foram feitos reféns para evitar bombardeios.
No dia 11 de julho, o líder servo-bósnio Ratko Mladic entrou na cidade, consolidando a conquista. A capital Sarajevo resistiu por quatro anos ao cerco, considerado o mais duradouro na história moderna.
Os muçulmanos foram feitos prisioneiros e separados em dois grupos: cerca de 23 mil mulheres e crianças foram deportadas para territórios muçulmanos, enquanto homens e adolescentes foram detidos em armazéns e caminhões. Em seguida, os homens foram enfileirados e executados por soldados sérvios e grupos paramilitares. Os corpos foram enterrados em valas comuns.
Após o massacre, a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) bombardeou as posições sérvias. Os Estados Unidos pressionaram os líderes bósnios, sérvios e croatas para um acordo de paz, que saiu em 21 de novembro 1995. O Acordo Dayton (chamado assim por ter sido assinado na Base Aérea de Dayton, no estado americano de Ohio) reconheceu dois Estados autônomos: a República Sérvia da Bósnia e a Federação da Bósnia-Herzegóvina ou Federação Muçulmano-croata. Mas já era tarde demais: o genocídio havia "limpado" territórios antes compartilhados por ambas as culturas.

Julgamentos
O massacre de Srebrenica foi oficialmente reconhecido em 2004 pelo Tribunal Internacional de Justiça, em Haia, nos Países Baixos. A Corte também começou a julgar os responsáveis pelo crime.

Radovan Karadzic foi preso em 22 de julho de 2008 e está sendo julgado pelo Tribunal de Haia por crimes de guerra. Outras 21 pessoas foram indiciadas e algumas condenadas a penas superiores a 30 anos ou prisão perpétua.

O presidente da Sérvia, Slobodan Milosevic, morreu na cela, em 11 de março de 2006, enquanto era julgado. O general Ratko Mladic foi indiciado mas até hoje não foi preso.

Em 2003, foi inaugurado o Memorial Cemitério de Potocari, em Srebrenica, onde foram sepultadas mais de 5 mil vítimas do massacre que puderam ser identificadas por peritos da Comissão Internacional de Pessoas Desaparecidas (ICMP). Os corpos foram descobertos em mais de 70 valas. Em março de 2010, o Parlamento Sérvio pediu desculpas às famílias das vítimas.

sábado, 3 de julho de 2010

Escritor defendeu comunismo e contestou dogmas católicos

Provocador tanto na escrita quanto na militância política, José Saramago morreu aos 87 anos em sua casa, em Lanzarote, nas Ilhas Canárias, no dia 18 de junho de 2010. Foi nessa ilha espanhola que o escritor, único Prêmio Nobel em língua portuguesa, escolheu para se autoexilar de Portugal e viver com a terceira mulher, a escritora espanhola Pilar del Rio.

Saramago escreveu dezenas de livros, entre romances, poesias, ensaios, peças de teatro, diários, crônicas e memórias. Sua obra foi traduzida para cerca de 42 línguas. Um dos seus mais famosos romances, O Evangelho Segundo Jesus Cristo (1991), provocou embates com a Igreja Católica e levou o governo português a boicotar a indicação da obra para um prêmio europeu, fato que contribuiu para que o escritor deixasse o país.

Além de escritor, Saramago também foi uma das vozes mais críticas do sistema capitalista e apoiou regimes comunistas, como o cubano. Ateu e comunista até o fim da vida, não se furtou, porém, de expressar uma visão quase mística em alguns de seus livros e de apontar as mazelas do próprio Partido Comunista Português, do qual era membro desde o final dos anos 1960.

Segundo a Fundação José Saramago, a causa da morte foi falência múltipla de órgãos, decorrente de um câncer que o acometia desde 2007. O corpo do escritor foi velado em Lisboa, onde recebeu homenagens e foi cremado em 20 de junho.

No dia seguinte, jogadores da seleção portuguesa prestaram homenagens ao romancista durante a partida contra a Coreia do Norte, na Copa do Mundo da África do Sul. A pátria, enfim, acolheu seu mais célebre escritor desde Fernando Pessoa.

Começo difícil
O reconhecimento, entretanto, chegou somente após os 50 anos de idade. José de Sousa Saramago era neto e filho de camponeses. Nasceu em 16 de novembro de 1922, na aldeia de Azinhaga, na província de Ribatejo, a 100 km de Lisboa. Tinha dois anos de idade quando a família se mudou para a capital. Sem recursos, não pôde cursar uma universidade.

Antes de se dedicar somente aos livros, exerceu atividades de serralheiro, funcionário público, jornalista e tradutor - traduziu, entre outros, o poeta francês Charles Baudelaire e o escritor russo Léon Tostói.

Publicou seu primeiro romance, Terra do Pecado, em 1947. Neste mesmo ano, nasceu sua filha, Violante, do primeiro casamento, com a pintora Ilda Reis. Em 1970, se divorciou e iniciou um relacionamento com a escritora portuguesa Isabel da Nóbrega. Em 1986 conheceu a jornalista e tradutora espanhola Pilar del Rio, com quem se casou dois anos depois - ela aos 36 e ele com quase 66 anos de idade.

O prestígio internacional como escritor viria aos 60 anos com o romance Memorial do Convento. Em 1986 publicou O Ano da Morte de Ricardo Reis, considerado por muitos críticos (e, ao que parece, pelo próprio autor) como seu melhor livro. Mas foi pelo polêmico O Evangelho Segundo Jesus Cristo que ficaria mais conhecido.

O romance, que humaniza a figura de Jesus, foi condenado pela Igreja Católica. No Brasil e em Portugal, países católicos, também houve reações contrárias. No ano seguinte à publicação, António Sousa Lara, secretário de Estado e Cultura no governo de Cavaco Silva, impediu a candidatura da obra para o Prêmio Literário Europeu. "O livro não representa Portugal nem os portugueses", disse na ocasião. Por conta do clima "inquisitorial", Saramago deixou o país em 1993, para viver nas Canárias com sua mulher.

À parte as desavenças políticas e religiosas, o trabalho como romancista lhe rendeu vários prêmios. Em 1995, recebeu o Luís de Camões, considerado o mais importante em literatura portuguesa, pelo livro Ensaio Sobre a Cegueira, adaptado para o cinema pelo diretor brasileiro Fernando Meirelles, em 2008. O Nobel de Literatura foi anunciado em 1998, quando Saramago tinha 76 anos, o primeiro e único conquistado por um escritor da lusofonia, ou seja, dos países nos quais o português é falado: Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe, Guiné Equatorial, Timor-Leste e Macau (uma Região Administrativa Especial da República Popular da China).

Revolução dos Cravos
As desavenças com a Igreja Católica (e com as religiões cristãs em geral) ganhariam novo ímpeto com a publicação do último romance de Saramago, Caim, em 2009. No livro, o escritor analisa a história de Caim e Abel no Antigo Testamento. Durante o lançamento mundial da obra, se referiu à Bíblia como "um manual de maus costumes, um catálogo de crueldade e do pior da natureza humana", o que lhe rendeu acusações de superficialidade na leitura e intenções publicitárias com a provocação.

Como intelectual, foi um vigoroso opositor da sociedade capitalista desde os anos 1960. A militância no Partido Comunista Português, ao qual também não poupou críticas, visando sua modernização, o levou a defender - e, em raríssimas ocasiões, atacar - governos como o de Fidel Castro.

Portugal, do mesmo modo que outros países europeus - Alemanha, Itália e Espanha -, foi governado por um partido fascista durante parte da primeira metade do século 20. A ditadura salazarista foi instaurada em 1926, depois de um golpe militar, e durou quase meio século.

Oliveira Salazar governou por meio de um partido único, o União Nacional, de 1933 até 1968, quando se afastou por motivos de saúde. Seu sucessor, Marcelo Caetano, foi deposto pela Revolução dos Cravos, em abril de 1974. A revolução foi um movimento pacífico simbolizado pelo cravo vermelho, flor que era colocada no cano dos fuzis dos soldados que participavam da revolta (cravos vermelhos também foram depositados sobre o corpo de Saramago, no velório em Lisboa).

Numa época de divisões ideológicas, Saramago se opôs ao salazarismo e filiou-se ao Partido Comunista em 1969. Em seguida, iniciou a carreira de jornalista. Quando foi nomeado diretor-adjunto do jornal português Diário de Notícias, em 1975, perseguiu e demitiu colegas que não seguiam sua linha de esquerda. No mesmo ano, saiu do jornal para dedicar-se aos livros.

A atuação política de Saramago, contudo, continuou rendendo polêmicas. Em 2003, depois de décadas de aprovação, ele condenou Fidel Castro pela execução de três cubanos que haviam sequestrado um barco para tentar fugir para os Estados Unidos. Em artigo publicado no jornal espanhol El País, escreveu: "Até aqui cheguei. De agora em diante, Cuba seguirá o seu caminho, eu fico".

No ano anterior, uma declaração provocara mal-estar entre os judeus. Durante visita à cidade palestina Ramallah, o escritor comparou a ocupação de territórios palestinos na Cisjordânia com o campo de concentração nazista de Auschwitz: "É preciso dizer que o que acontece na Palestina é um crime que nós podemos parar. Podemos compará-lo ao que aconteceu em Auschwitz".

No Brasil, onde sempre foi acolhido por escritores e políticos, entre eles o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, identificou-se com causas sociais. Chegou a participar como jurado, em Brasília, de um tribunal internacional simbólico para julgar o massacre de trabalhadores sem-terra em Eldorado dos Carajás (PA), ocorrido três anos antes. Pelo mesmo motivo, recusou um doutorado honoris causa (dentre dezenas que recebeu) concedido pela Universidade do Belém do Pará.

Ponto final
O papel de contestador, na vida pública, refletia, de certa maneira, a escrita de Saramago, ousada na forma e cujas histórias interagiam criticamente com seu tempo. Em obras como O Evangelho Segundo Jesus Cristo, ele usa uma pontuação peculiar: evita pontos finais, marcando o ritmo e as pausas com vírgulas, e substitui o travessão como indicativo de diálogos por uma letra inicial maiúscula. Como nessa passagem:

"Disse Jesus, Estou à espera, De quê, perguntou Deus, como se estivesse distraído, De que me digas quanto de morte e de sofrimento vai custar a tua vitória sobre os outros deuses, com quanto de sofrimento e de morte se pagarão as lutas que, em teu nome e no meu, os homens que em nós vão crer travarão uns contra os outros, Insistes em querer sabê-lo, insisto, Pois bem, edificar-se-á a assembleia de que te falei, mas os caboucos dela, para ficarem bem firmes, haverão de ser cavados na carne, e os seus alicerces compostos de um cimento de renúncias, lágrimas, dores, torturas, de todas as mortes imagináveis hoje e outras que só no futuro serão conhecidas (...)"

A intenção dessa escrita - iniciada com o romance Levantado do Chão - era deixar o texto mais próximo da tradição oral.

Saramago também misturava, em suas narrativas, fatos históricos e ficção para construir parábolas, como em Memorial do Convento, A Jangada de Pedra e A Viagem do Elefante. Em Ensaio sobre a Cegueira, por exemplo, que conta a história de uma estranha doença que deixa a população de uma cidade cega, o escritor usa a premissa da privação do sentido para apontar os defeitos da sociedade de consumo, que coloca em primeiro plano as aparências. Somente depois de cegos os personagens conseguem enxergar as qualidades que os distinguem como seres humanos.

Saramago deixou um livro inacabado, Alabardas, Alabardas, Espingardas, Espingardas!, que fala sobre o tráfico de armas. O título é uma referência a um verso do dramaturgo português Gil Vicente. Ainda não há previsão para a publicação do romance.

Livros mais importantes
# Levantado do Chão (Bertrand Brasil)
# Memorial do Convento (Bertrand Brasil)
# O Ano da Morte de Ricardo Reis (Companhia das Letras)
# História do Cerco de Lisboa (Companhia das Letras)
# O Evangelho segundo Jesus Cristo (Companhia das Letras)
# Ensaio sobre A Cegueira (Companhia das Letras)
# As Intermitências da Morte (Companhia das Letras)

Adaptações para o cinema
# A jangada de pedra
# A maior flor do mundo
# Ensaio sobre a cegueira
# Embargo

Políticas de proteção completam um século no Brasil

Há cem anos foi criado no Brasil o Serviço de Proteção ao Índio (SPI), órgão que inaugurou a política indigenista no país. Apesar dos erros cometidos pelo Estado na tentativa de integrar comunidades indígenas à sociedade, o serviço foi pioneiro na demarcação de terras, o que garantiu a sobrevivência das tribos. O SPI foi substituído, em 1967, pela Fundação Nacional do Índio (Funai).

Vestígios arqueológicos indicam a presença de índios num período entre 11 e 12 mil anos atrás no Brasil. Estima-se que, quando os portugueses chegaram, há mais de 500 anos, existiam até 10 milhões de nativos, que falavam cerca de 1.300 línguas. Com a colonização do território nacional, aldeias foram dizimadas por bugreiros - sertanejos contratados por colonos para caçar bugres (indígenas) - ou por doenças contagiosas adquiridas pelo contato com o homem branco, contras as quais os nativos não tinham imunidade.

Hoje, de acordo com dados da Funai, existem cerca de 460 mil índios no país, vivendo em 225 comunidades. Além destes, estima-se que há entre 100 e 190 mil índios vivendo fora de suas tribos.

A despeito desse total de índios corresponder a 0,25% da população brasileira, as 488 terras indígenas delimitadas perfazem 12,41% do território nacional. Restaram 180 línguas diferentes faladas pelas etnias, excluindo-se aquelas em uso por comunidades isoladas, que ainda não foram estudadas.

Marechal Rondon
O SPI foi fundado em 20 de junho de 1910 por meio do decreto nº 8.072, assinado pelo presidente Nilo Peçanha. A direção ficou a cargo de Cândido Mariano da Silva Rondon, militar e sertanista descendente de índios, mais conhecido como marechal Rondon.

No final do século 19, Rondon foi responsável pela instalação de milhares de quilômetros de linhas telegráficas no interior do país. Nesse trabalho, entrou em contato com dezenas de tribos, sempre de maneira pacífica. Seu lema era "Morrer, se preciso for. Matar, nunca".

À frente do SPI, Rondon mudou a forma de tratamento dos índios, que antes eram considerados um entrave para o desenvolvimento da nação. Para proteger os índios, foram feitas as primeiras demarcações de terra. Ele também defendeu a instauração de reservas como o Parque do Xingu, primeiro território indígena criado pelo governo, em 1961.

No entanto, o pensamento positivista que norteou os trabalhos de Rondon é hoje considerado um equívoco. Segundo o positivismo, doutrina filosófica fundada por Augusto Comte no século 19 e muito influente entre intelectuais brasileiros no período que vai do fim da monarquia às primeiras décadas da república, a humanidade passaria por fases evolutivas, da origem primitiva à civilização moderna.

Para os positivistas, os índios eram selvagens que viviam em estado primitivo e que precisavam ser civilizados. Como fazer isso? Incorporando-os à vida do Brasil rural e ensinando-lhes valores ocidentais. Na ata de criação do SPI consta o nome do órgão como Serviço de Proteção aos Índios e Localização dos Trabalhadores Nacionais. O objetivo era, portanto, aproveitar a mão de obra indígena na agricultura e adaptar os nativos ao convívio em sociedade.

Para isso foram criadas escolas e oficinas de trabalho - e também se construíram casas. As aldeias foram fragmentadas, separando famílias e misturando etnias. Com isso, o SPI impediu o extermínio da população nativa, protegendo fisicamente os índios em áreas demarcadas. Mas o projeto de integração foi prejudicial para a cultura indígena.

A partir dos anos 1950, antropólogos como Darcy Ribeiro e o sertanista Orlando Villas Bôas ajudaram a mudar essa visão etnocêntrica. Atualmente, os antropólogos entendem que os índios possuem cultura própria, que é considerada patrimônio da humanidade. O conhecimento que eles têm da floresta, por exemplo, vem ajudando cientistas no estudo de plantas para uso medicinal e na proteção do meio ambiente.

Para o governo, a melhor forma de preservar os costumes das comunidades é por meio de terras demarcadas. O processo de demarcação ganhou fôlego nos anos 1970, quando surgiram os primeiros movimentos de defesa dos índios.

A nova política indigenista foi finalmente incorporada à Constituição Federal de 1988, cujo Artigo 231 diz: "São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens".

A Funai mantém, desde 1987, uma unidade especializada em localização e proteção de tribos isoladas. Mas sua política, agora, é a de retardar ao máximo o contato com o homem branco.